Julia ouro preto- Uma jornada internacional

1. Quem é Julia Ouro Preto?

* Se você pudesse se descrever em 5 palavras como você se descreveria?



Adaptável, criativa, honesta, curiosa, aventureira 



*Se fossem fazer um filme da sua vida, quem é o ator que te interpretaria? 


“ Muita gente fala que a Aubrey Plaza tem minha essência e personalidade nos papéis dela, acho que ela seria perfeita! "

2. Um semestre na Ásia —  uma moradia inusitada 


* Você passou um tempo em Taiwan, que é um destino bem fora do comum. O que te levou a escolher passar um tempo lá?

Eu sou uma pessoa que está sempre buscando sair da minha zona de conforto, e desde o início da faculdade eu sabia que queria fazer meu intercâmbio em algum país asiático. A Ásia sempre me despertou curiosidade justamente por ser tão diferente de tudo que eu já havia vivido e conhecido. Já tinha morado três anos na Europa, então queria uma experiência ainda mais desafiadora e transformadora. Escolhi Taiwan mesmo sem saber NADA sobre o país, o que na verdade fez parte da decisão: queria me lançar no desconhecido e me permitir a viver algo completamente novo.


* O que te surpreendeu mais positivamente vivendo na Ásia?



O que mais me surpreendeu positivamente vivendo na Ásia foram, sem dúvida, as pessoas. Cheguei com um espírito aberto, mas também com um medo enorme de não conseguir me conectar com ninguém e acabar me sentindo perdida em um ambiente tão diferente daquele que eu estava acostumada. Mas ao me permitir conhecer pessoas completamente fora da minha bolha, com culturas, vivências e visões de mundo muito distintas das minhas, vivi trocas que me marcaram e mudaram a pessoa que sou hoje. Escrevo isso de Praga, ao lado de uma amiga tcheca que conheci durante o intercâmbio e que se tornou uma pessoa essencial no meu processo de amadurecimento e crescimento pessoal. Fiz amigos que hoje ocupam um espaço importante na minha vida e tive conversas que nunca teria tido se não tivesse saído da minha zona de conforto. Além disso, os taiwaneses, tailandeses, vietnamitas, balineses e filipinos me acolheram de forma tão calorosa que me senti em casa. Isso tornou muito mais fácil me aproximar das culturas locais e compreender de forma mais profunda os costumes e valores de cada lugar.



* Quais foram os maiores desafios de viver em um lugar tão diferente culturalmente do Brasil?


Acho que a barreira linguística foi um dos maiores desafios. Eu morava a mais ou menos 50 minutos de Taipei City, em um distrito pequeno, onde praticamente só havia estudantes e famílias taiwanesas que não tinham contato com estrangeiros. A maioria das pessoas não falava inglês, então precisei me virar sozinha desde o início. Apesar de ter feito um intensivo de mandarim, meu nível ainda era muito básico, o que tornava a comunicação bastante difícil no dia a dia. 

Eu também tive dificuldade em me adaptar à comida de lá e como na região onde eu morava as opções eram bastante limitadas, acabei comendo nos mesmos três restaurantes durante quase todo o semestre. No brasil se come muito bem né? E meu pai é um chefe profissional, então eu cresci em uma casa supergourmet - o Taiwan era o oposto disso. Eu me forçei a comer muita coisa diferente lá (confesso que não gostei de maioria) mas foi assim que descobri meu amor por bubble tea. Acho que eu bebia um por dia e tinha uma loja de boba tea em cada esquina (é uma bebida originalmente do taiwan). 


* O que você acha que só teria aprendido passando um semestre na Ásia. 


Acho que uma das coisas mais valiosas que só teria aprendido vivendo um semestre na Ásia foi a importância e o poder de recomeçar. Estar em um lugar completamente novo, onde ninguém me conhecia, me deu a liberdade de me redescobrir, de questionar quem eu era e de decidir, com consciência, quem eu queria ser. Foi a primeira vez que pude me reinventar sem o peso das expectativas de quem já me conhecia, sem rótulos ou referências do meu passado. Tive a chance de construir relações a partir do zero, sendo apenas quem eu era naquele momento, com mais presença e verdade. Isso foi profundamente libertador. Eu também percebi que existe algo muito poderoso em se abrir para o novo, para o desconforto, e confiar que você vai encontrar seu caminho mesmo sem um mapa. Foi uma experiência que me ensinou sobre autonomia, autenticidade e sobre a beleza de se perder um pouco para depois se encontrar de um jeito mais inteiro.




3. Espanha e Contrastes Culturais



* Como foi a experiência de morar na Espanha em contraste com a Ásia?



Morar na Espanha e depois na Ásia foram experiências muito diferentes, mas complementares. Me mudei para a Espanha depois de viver 18 anos em São Paulo, e fui direto para Segóvia, uma cidade pequena com castelos e aquedutos do império romano com apenas 50 mil habitantes. Em Segóvia, as festas aconteciam em lagos, rios, cavernas e montanhas, e viver em um lugar tão tranquilo me ensinou a valorizar a simplicidade e desacelerar um pouco. Com muito tempo livre, pude explorar minha arte, me conectar com a natureza (algo que não fazia muito em SP) e experimentar o que chamam de ‘slow life’. Os dois anos em Segóvia foram muito especiais, tanto para fazer novas amizades quanto para fortalecer laços antigos. Muitos amigos de São Paulo foram comigo para lá, o que trouxe uma sensação de familiaridade em meio a um ambiente novo. Ao mesmo tempo, a vida em uma cidade pequena facilitava conexões mais próximas e profundas, onde fiz amigos de muitas nacionalidades e backgrounds diferentes. 

Depois disso, me mudei para Madrid, onde a transição entre uma cidade pequena e uma capital agitada foi um pouco difícil no início. Mas também me abriu novas possibilidades e trouxe um ritmo de vida mais dinâmico, com mais acesso à cultura, arte e diversidade. Morei com uma menina da Jordânia, e depois com uma francesa, o que foi difícil mas me ensinou muito a respeitar diferenças culturais. 

Já na Ásia, especialmente em Taiwan, a experiência foi diferente em todos os sentidos: o idioma, alimentação, costumes, amizades, e valores culturais eram completamente diferentes daquilo que eu conhecia. Enquanto a Espanha me ofereceu familiaridade e um tipo de acolhimento mais próximo do Brasil, a Ásia me desafiou a sair totalmente da minha zona de conforto e passar muito mais tempo sozinha. Foi lá que aprendi a realmente me virar sozinha, a lidar com o desconhecido e a me adaptar em um contexto em que quase nada era familiar. Ambas as experiências foram fundamentais para o meu crescimento, mas em sentidos opostos: uma me ofereceu acolhimento e introspecção, e a outra, expansão e reinvenção. 



* Você se sentiu mais próxima da cultura espanhola por conta da língua e das raízes latinas, ou encontrou outras semelhanças inesperadas?



Eu cheguei na Espanha já sabendo falar espanhol fluentemente, então isso facilitou a integração cultural. Os espanhóis, assim como os brasileiros, são calorosos, apaixonados por futebol, adoram festas e têm uma relação muito espontânea com a vida social. Em muitos momentos, me senti em um ambiente muito familiar e cômodo. Foi uma adaptação bem mais leve do que na Ásia, com certeza. 

“Claro que há diferenças, tipo o humor, o jeito direto de falar, os horários das refeições mas, no geral, me vi em um ambiente que equilibrava bem o novo e o familiar.”




4. Morar Sozinha e Morar Fora





* Morar fora já é desafiador por si só. Como foi, pra você, essa experiência de estar sozinha em um país estrangeiro? E Que tipo de amadurecimento você percebe em si hoje que veio dessa vivência?




Acho que morar sozinha na Espanha não foi tão difícil para mim, principalmente porque eu estava cercada de pessoas que já me conheciam há anos. Ter por perto amigos que sabiam da minha história, dos meus costumes e da minha essência me trouxe uma sensação de pertencimento. Saber que havia alguém ali que me entendia fazia com que eu não me sentisse totalmente sozinha e isso, no começo, fez toda a diferença para mim.

Mas com o tempo, percebi que morar fora também é um convite para desenvolver independência. E foi gostoso descobrir esse lado: aprender a cozinhar e escolher o que comer, o que comprar, como decorar a minha casa (algo que eu adoro) e construir minha rotina com total liberdade. Quando eu me mudei para Espanha eu tinha medo de me sentir sozinha, mas quando me mudei para a Ásia, já sabia muito mais sobre independência e apreciava muito mais o tempo que passava sozinha. Com o tempo, o pensamento de “estar sozinha” não me assustava mais. Fiz muitas solo trips ao longo desses 4 anos morando fora, o que inclusive recomendo para todos que estão lendo isso. Se perder por aí na sua própria companhia pode ser uma das experiências mais poderosas de autoconhecimento e autorreflexão que existem. Foi assim que aprendi a me escutar mais, a me adaptar e a confiar em mim mesma em qualquer lugar do mundo.



* Tem alguma situação marcante em que você percebeu que tinha crescido emocionalmente ou pessoalmente por estar vivendo fora?



5. Arte e Perspectiva




* Como essas experiências moldaram a sua visão de mundo e, principalmente, a sua arte?



Desde que criei minha loja de customização de roupas, em 2020, meu estilo vem se transformando constantemente e isso reflete diretamente nos lugares por onde passo. Todo museu, país, restaurante e loja que visito acaba me inspirando de alguma forma. Eu também tenho o hábito de fotografar tudo que chama minha atenção: uma textura, uma combinação de cores, um objeto curioso… Tudo pode virar referência.

Sinto que, em diferentes fases da minha vida, absorvo mais de algumas influências do que outras. Por exemplo, no ano passado visitei muitos museus, incluindo o museu do Van Gogh em Amsterdã, onde fiquei horas observando como ele usava linhas para criar sombras. Aquilo me marcou por algum motivo, e a partir dali comecei a experimentar esse estilo nas minhas próprias pinturas.

Já na Ásia, não tinha espaço na mala para levar minhas tintas e sketchbooks, então fui desafiada a explorar a pintura digital. Comecei a usar o Procreate e acabei desenvolvendo uma série de obras no iPad que retratam as experiências e os lugares que vivi por lá. Foi uma nova linguagem artística, influenciada diretamente pelo contexto em que eu estava inserida. Cada cultura que encontro amplia meu repertório criativo e me convida a olhar o mundo, e a mim mesma, de novos jeitos. No fim, tudo que vivo vira matéria-prima para o que crio.

* Qual foi o impacto de viver no Oriente sobre a sua estética, suas referências e seu processo criativo?


Estar imersa em culturas tão diferentes me levou a observar o mundo com um olhar mais atento aos detalhes, símbolos e contrastes. Comecei a pintar elementos que antes não faziam parte do meu imaginário: tradições e templos budistas, lanternas de papel, letreiros iluminados nas ruas e as comidas vibrantes que encontrava nos night markets de Taiwan, que aliás viraram tema de algumas das minhas obras favoritas. Esses mercados noturnos são um universo visual e sensorial próprio, e me senti inspirada a traduzir esse caos bonito e colorido para a tela.

Enquanto aprendia mandarim, passei a explorar os próprios caracteres da língua nos meus desenhos, usando a escrita como forma de composição visual. Também retratei cenas do cotidiano que me marcaram: rostos e gestos que observei em Singapura, paisagens do Vietnã, e até os animais soltos pelas ruas de Bali.

Viver no Oriente me tirou do automático. Me fez prestar atenção no que é diferente daquilo que já vi. E tudo isso passou a aparecer na minha arte de forma orgânica. Hoje, meu processo criativo é muito mais aberto, intuitivo e sensorial justamente por causa dessas vivências

6. Carreira tradicional de bussiness X carreira na arte


* Você se formou em Business, mas segue carreira artística. Quando esse shift aconteceu na sua vida? Foi algo planejado ou foi um processo de reencontro com algo que sempre esteve ali? 



Acho que nunca vi o business e a arte como opostos, mas como áreas complementares dentro de mim. Sempre tive um perfil híbrido — meu pai é empreendedor, e cresci nesse ambiente de gestão e estratégia. Ao mesmo tempo, venho de uma família muito artística, com músicos, fotógrafos e pintores. Então a arte sempre esteve presente, mas eu também sempre entendi o valor de saber se posicionar, se vender, e estruturar ideias.

Muitas vezes vejo artistas incríveis que têm dificuldade em transformar o talento em uma carreira sustentável, e isso sempre me chamou atenção. Por isso decidi começar pelo lado do business: queria entender como o mercado funciona, como comunicar um trabalho, criar um produto e fazer com que ele chegue nas pessoas com alto impacto. Agora que me formei, sinto que estou mais preparada para aprofundar meu caminho artístico, seja ele mais voltado para moda ou para arte visual (ainda estou explorando e entendendo o melhor direcionamento para mim). Mas o shift, na verdade, foi mais uma soma do que uma mudança: estou encontrando maneiras de unir esses dois lados no meu trabalho.




7. Viagem como forma de viver a vida e lifestyle

* De onde vem esse desejo tão forte de viajar? Ele sempre existiu ou foi cultivado com o tempo?

Acho que o desejo de viajar sempre existiu em mim, mas só floresceu de verdade quando as circunstâncias permitiram. Quando eu morava no Brasil, viajar não era algo tão acessível, fosse pela distância, pela grana ou pela autonomia que eu ainda não tinha. Mas quando me mudei para a Europa, destinos que antes pareciam sonhos distantes estavam a poucas horas de trem ou avião. Comecei a explorar todos os lugares que sempre tive curiosidade de conhecer e me apaixonei pela sensação de estar diante do novo, do desconhecido, e do inesperado.

Viajar, pra mim, é uma das coisas que mais me fazem sentir viva. Eu amo viver com uma malinha por semanas, descobrindo cantinhos do mundo que eu nem imaginava que existiam. Recentemente fiz um mochilão de três semanas pelas Filipinas e Tailândia, onde passei vários perrengues (vivia com 5 euros por dia) mas foi uma das épocas em que mais me senti no meu ‘melhor eu’. Estava cansada, suada, às vezes perdida… mas completamente feliz. Com o tempo, descobri que conhecer novas culturas e lugares é a coisa que mais me inspira, então sempre que posso, viajo (até para os lugares mais aleatórios).  


* O que a Ásia te ensinou que você leva com você até hoje — seja na vida, seja na arte?

A Ásia me ensinou muito sobre silêncio, presença e reconexão comigo mesma. Eu fui pra lá com o desejo de me afastar do barulho externo e, principalmente, do barulho interno: das pressões, das comparações, e da autocobrança. Queria encontrar uma rotina que me fizesse bem de verdade, com mais práticas de autocuidado como a corrida, meditação e yoga. E encontrei não só espaço físico pra isso, mas também um espaço mental.

Foi lá que comecei a refletir mais profundamente sobre meus erros, sobre como posso ser uma pessoa e uma amiga melhor, e até sobre como receber críticas com mais leveza, sem tanta defensiva. No meio de tantas culturas e realidades diferentes, eu percebi o valor de estar aberta — a pessoas, experiências, opiniões, desconfortos. Isso também acabou refletindo na minha arte, que ficou mais sensível, mais observadora e, ao mesmo tempo, mais desapegada da perfeição.

No fim, o que a Ásia mais me ensinou foi a buscar a paz. Paz nas minhas escolhas, nas minhas relações, e principalmente dentro de mim. E isso, com certeza, é algo que levo comigo todos os dias.



* Qual foi o lugar que mais te marcou emocionalmente? Por quê?


O norte do Vietnã foi um dos lugares mais marcantes que visitei. Fiz o Ha Giang Loop, uma rota de moto de três dias que passa por vilarejos e montanhas perto da fronteira com a China. Passei esses dias na garupa de uma moto, cruzando paisagens impressionantes e conhecendo pessoas de várias partes do mundo. Foi uma experiência completamente diferente de tudo que eu já tinha vivido, sem muito sinal de celular, longe de grandes cidades passando o dia todo vendo paisagens de outro mundo.

* E o que vem agora? Qual é a próxima viagem que está no topo da sua bucket list?


Agora quero explorar mais o meu próprio continente. Até hoje só visitei o Chile e a Argentina, e isso foi há bastante tempo. Está no topo da minha bucket list fazer um mochilão pela América do Sul: conhecer o Peru, a Bolívia, a Colômbia e o Uruguai. Também tenho muita vontade de explorar mais a América Central e o Caribe, com países como Costa Rica, Porto Rico, Guatemala e Jamaica. Sinto que tem muita riqueza cultural, natureza e história aqui pertinho que ainda não conheço. 


8. Encerramento Reflexivo


* Se você pudesse dar um conselho para quem sonha em morar fora mas ainda tem medo, qual seria?

Eu acho que meu conselho seria: se permita sentir medo, mas não deixe que ele te paralise. Morar fora é um desafio enorme, cheio de incertezas, mas é também uma das experiências mais transformadoras que você pode viver. O medo faz parte do processo, mas a liberdade, o aprendizado e o crescimento que vêm depois compensam muito. Comece pequeno, dê passos que você se sinta confortável, e saiba que errar e se adaptar fazem parte. No fim, a coragem de se lançar no desconhecido abre portas que você nem imaginava. 

* O que significa, pra você, “pertencer a um lugar”? Você sente que pertence a algum?

Pertencer, pra mim, é algo muito mais emocional do que geográfico. Depois que você vive em diferentes lugares, percebe que não existe mais um único lugar onde você se sente completamente em casa. Partes de quem você é vão ficando espalhadas pelo mundo — em pessoas, em memórias, em cheiros e em rotinas. Estando em Madrid, sinto falta do Brasil. No Taiwan, sentia falta da Espanha. É como se eu sempre estivesse com saudade de algum lugar ou de alguém. Hoje, pra mim, pertencer não é mais estar em um lugar específico, mas sim me sentir conectada com o que estou vivendo naquele momento. Talvez eu nunca mais pertença a um lugar só, e tudo bem. Aprendi a encontrar pertencimento dentro de mim, onde quer que eu esteja.

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Maria luiza lazzareschi x house of wander