O que pulsa por trás das criações de uma arquiteta ?- Estúdio saracura x House of wander

Entre concreto e poesia:

Conversamos com uma mente criativa que constrói espaços -reais e imaginários- com beleza ,coragem e expressão.Hoje ,nós vamos mergulhar no mundo de Alessandra Müller-arquiteta fundadora do Estúdio Saracura- cujo olhar traduz a brutalidade do concreto em emoção tangível.Sua estética brutalista e sincera traz personalidade e nos lembra que o essencial não precisa ser suave mas pode sim ser profundamente sensível.

Em uma conversa sobre matéria ,processo criativo e identidade,Alessandra compartilha o que pulsa por trás de suas criações.

Residência Joanópolis/Estúdio Saracura

“Em minha infância meu avô me chamava de saracura. Eu era uma menina um pouco “selvagem”, com uma energia inesgotável e, por incrível que parece, magrela e de pernas longas, Assim como o pássaro. Além disso, sua personalidade, segundo ele, tinha a ver comigo. O saracura que habita a beira dos rios, durante o dia é bastante quieto e a noite canta sem parar. É territorialista e um pouco agressiva, rs. Quando se sente ameaçada se esconde, Mas se conhece quem está próximo se sente super à vontade e vira estrela!

Tipo eu!”

-Alessandra Müller

Residência Joanópolis/Estúdio Saracura

Residência Joanópolis/Estúdio Saracura

Residência Joanópolis/Estúdio Saracura

Origem e identidade

  • O que te levou à arquitetura? Houve um momento específico em que você percebeu que era isso que queria fazer?

“Quando criança fui uma menina quieta ,que vivia muito em meu mundo particular.Um pouco (na verdade bastante)tímida,minha forma de me expressar era reproduzindo esse meu mundo da observação através da arte e experimentação.Desenho,pintura,escultura,artesanato,dança…

Aí é que eu literalmente construía meu ideal de beleza e satisfação.

O momento em que eu finalmente cedi ao desejo de transformar um amor em uma profissão,foi quando me vi apta ,com bagagem e maturidade suficiente;depois de ter sido bailarina,modelo,viajante,designer,jornalista,empresária,esposa e mãe.

Costumo falar que tive várias carreiras em várias “encarnações”,mas hoje quando olho para trás percebo que foram apenas diferentes momentos dessa vida diversa que me fizeram desabrochar para algo que me realiza.

Arquitetura esteve comigo acredito que desde sempre.É mera consequência da minha necessidade em concretizar,tornar tangível o que é intangível."

Residência Joanópolis/Estúdio Saracura

Entre Serras e Águas.Residência Joanópolis/Estúdio Saracura

  • Seu trabalho tem uma assinatura muito forte.Como você definiria a sua inentidade base como arquiteta?

“Eu acredito que assinatura é a síntese de nossa bagagem,um retrato fiel a quem você realmente é.Toda criação,seja ela qual for,reflete uma história ,desejos,anseios e crenças.

Eu particularmente me divirto em criar a partir de um “problema”,gosto também de transcender o óbvio ,estou sempre em busca do inesperado.Procuro surpreender e ser surpreendida.

Nesse sentido,embora tenha essa marca tão definida,consigo visitar diferentes universos sem perder a identidade.”

Desenhos autorais da arquiteta

  • Por que a escolha do estilo brutalista?

“Em primeiro lugar o concreto como matéria,sempre me encantou .Tenho lembranças da mais tenra infância,ao visitar construções da época,onde a sua textura e tonalidade eram para mim pura mágica.

Sua sobriedade ,elegância,a forma como reflete a luz e até suas falhas inevitáveis me levam à sensação de paz e acolhimento .

As possibilidades dele como material são a meu ver infinitas.

O brutalismo é no caso uma consequência dessa admiração.Nunca me rotulei como brutalista ,mas sim a arquitetura brutalista traduz meu apreço.Amo o contraste,a geometria proposta por esse contraste e sim,sempre que tiver oportunidade de demostrar essa minha preferência e utilizá-la como ferramenta,farei certamente!”

Residência Joanópolis /Estúdio Saracura

Processo criativo

  • Qual é o seu ponto de partida em um novo projeto : a função,o lugar,o material ou a emoção?

“Difícil não ser um produto de todas as alternativas ,mas colocando-as “por ordem de chegada”,o lugar que tras uma emoção ,e deve respeitar uma função e por fim o material,que será o resultado de toda a reflexão anterior.”

Esquema de abertura e posicionamento dos vidros

  • Você trabalha muito com o concreto,um material muitas vezes considerado"frio”.Com você o ressignifica em suas obras e faz elas se diferenciarem?

“O frio nesse sentido,significa sem alma .Até pela relação afetiva que eu tenho com esse material,não consigo pensá-lo dessa forma.

Toda matéria mal utilizada é fria,sem graça.

A madeira ,símbolo de aconchego,fora de contexto é pesada,triste.Uma lâmina de vidro pode trazer para dentro de um ambiente,desespero e caos e paradoxalmente destacar a beleza e paz.

O concreto por sua vez é vivo,e assim sendo,reflete o que existe de pior ou de melhor na natureza em que é utilizado.Procuro tirar dele seu melhor,sua alma.”

Sensibilidade e brutalismo

  • Na house of Wander,acreditamos que o espaço dita muito sobre nossas emoções.Como você vê a conexão entre sua arquitetura e emoção despertada ao vivenciar os ambientes projetads por você?

“Arquitetura sim é emoção.Por isso não vivemos em caixas que somente ns protegem do frio e do calor.O lugar no espaço ,seus cheios e vazios nos trazem sensações diferentes e essas diferenças ,ainda que sutis,desempenham um papel importante na construção de um ambiente.

No meu criar procuro considerar nossos sentidos ,que são guiados por uma intenção.Toda obra arquitetônica deve contar uma história.Temos muita história para contar…”

Inspirações e referências

  • Quais artistas,arquitetos ou movimentos influenciam sua prática?

“Difícil citar poucos.Na arquitetura admiro o processo e a obra de Tadao Ando,Felix Candela,Peter Zumptor,Aires Mateus ,Paulo Mnedes da Rocha,Vila Noa Artigas,RCR…”

  • Fora da arquitetura , o que te inspira?Viagens,livros,paisagens?

“Inspiração vem de diversas fontes.Claro que viajar e contemplar é sempre uma fonte incrível a se beber , mas acredito que minha inspiração venha mesmo do cotidiano.Gosto de refletir sobre nossa relevância no universo.

Existe um trabalho muito interessamte de Charles e Ray Eames datado de 1977 que se chama “Powers of Ten” e basicamente é uma viagem sobre o infinito em suas dimensões.

Essa obra sintetiza um pouco a meu ver da importância relativa que temos nesse universo.Somos tudo e somos nada.

Na prática, se tem um pôr do sol,um paredão,um caminho esburacado ,uma árvore morta,ou qualquer evento ou objeto, que possa transformá-los ,enaltê-los,escondê-los,todos são inspiradores.Sou uma eterna buscadora de soluções para temas do dia a dia.

Esses são desafios que me movem.”

Desenho autoral de visualização da paisagem do jardim aonde iria projetar

Caminho e futuro

  • Qual projeto mais te desafiou e por quê?

“Meus projetos sempre são um desafio.Nem sempre por sua complexidade,mas pelo meu próprio desejo de acertar.Também tenho uma característica que muitas vezes me ajuda e me atrapalha.Frequentemente fujo do comum,de modismos e sigo invariavelmente em direção à customização.Raramente sou capaz de fazer um projeto sem desenhá-lo por completo,independente de sua escala.Desenhar uma cadeira demanda de tempo e energia,assim como uma residência,um sapato,um biquini,um cartão…

Meu maior desafio e maior aliado é o tempo.Estou sempre correndo atras de mais tempo para entregar e agradecendo por não ter controle sobre ele,senão meus projetos jamais acabariam!”

Hotel Cráter

  • O que você gostaria de construir que ainda não teve a chance?

“Um museo,um hotel,um cenário,um anfiteatro…”

  • Que conselho daria para jovens arquitetos que buscam um caminho autoral?

“Acho que um bom conselho é não se deixar perder no meio do caminho.O que está a venda é sempre seu trabalho,não a sua alma.Não há dinheiro que pague a insatisfação de fazer um trabalho que você não acredita,conquistar um cliente que nunca vai entender sua visão e gastar seu tempo tentando convencê-lo.

Só é bom no que faz aquele que ama fazer!”

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